quarta-feira, 24 de junho de 2015

UM APÓLOGO





Leitura e interpretação de texto 

UM APÓLOGO

Machado de Assis
ERA UMA VEZ uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
—Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando ...
Também. os batedores vão adiante do imperador.
— Você imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto ...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plíc-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo, o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
        Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:
    — Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: — Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!
[Machado de Assis, J.M. "Várias Histórias" in Obra Completa, vol II, Rio de Janeiro: Aguillar, 1962, p.554- 556]

Questões de interpretação de  texto
1.As personagens do texto são:
a)pessoas               b) animais              c) objetos               d) objetos e pessoas.

2. O texto narra uma série de preparativos para um evento. Esse evento se realiza na residência de quem:
a) de uma baronesa           b) de uma duquesa           c) de  uma condessa          d) de uma marquesa

3.Assinale a melhor alternativa que caracteriza a atitude do Alfinete.
a)Foi solidário com a agulha, consolando - a.
b) Também serviu de Agulha para muita linha ordinária.
c) Não se envolveu na história
d) Apoiou a Linha.

4.De acordo com o texto:
a) O trabalho da Linha foi mais importante do que o da Agulha..
b)Tanto a atitude da Agulha quanto como a  do Alfinete foram corretas.
c)Apenas a Linha foi ao baile no corpo da baronesa.
d)Apenas a Agulha foi ao baile no corpo da baronesa.

5.Quem disse a frase: “Importe-se com sua vida e deixe  a dos  outros”
O Alfinete      b) O professor de melancolia                  c) a Agulha    d) A Linha

Gramática:
1. N a frase; “Porque lhe digo que está com um ar insuportável”
O pronome lhe se refere a quem?
a)à Agulha               b) à Linha     c) Ao professor de melancolia                 d) Ao Alfinete.

2.Qual é o adjetivo que caracteriza o Alfinete?
a)malvado              b) fofoqueiro                   c) experiente           d) atrevido

3. “Veio a noite do baile”
O sujeito da oração acima é:
a)baile         b) noite                 c) sujeito indeterminado             d) sujeito oculto.

4.A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho
A palavra em destaque na frase acima indica:
a)que a baronesa era muito elegante
b)uma parte da peça de roupa da costureira
c)uma parte da peça de roupa da baronesa
d)um recipiente onde a costureira guardava seus pertences.

5. Qual adjetivo o Alfinete usou para se referir à Agulha?
a)    Orgulhosa                  b) tola                    c) trabalhadeira                 d) esperta

6. “A linha não respondia nada; ia andando”
Se passarmos os verbos destacados na frase acima para o pretérito perfeito do indicativo, teremos:
a)    Respondeu, foi    b) responderia, iria             c) responde, vai      d) responderá, ir

7. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Passe para o plural os termos destacados.

Redação:
1.Considerando que Apólogo é um gênero narrativo em que as personagens são objetos representando pessoas, escreva um parágrafo para cada personagem( Linha, Agulha, Alfinete) e diga o que você acha do comportamento dessas personagens.

2. Você concorda ou não com esse comportamento? Por quê?


3. Se você fosse mudar alguma coisa nos personagens, o que mudaria?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O ASSASSINO ERA O ESCRIBA

O assassino era o escriba Neste poema, o autor critica o uso  de ironia e duplo sentido quando se refere aos termos empregados nas...